Os Warao, conhecidos como o “povo da água” em sua língua materna, representam uma rica e antiga cultura que se desenvolveu ao longo de milênios nas terras do delta do Rio Orinoco, na Venezuela. Com uma história que remonta há mais de oito mil anos, os Warao se destacam como a segunda maior etnia da Venezuela, contando com aproximadamente 49 mil indivíduos, conforme registrado no Censo
de 2011¹.
Entretanto, em meio às complexidades políticas, econômicas e sociais que assolam a Venezuela nas últimas décadas, muitos membros da comunidade Warao têm buscado refúgio em territórios vizinhos, incluindo o Brasil. Diante dessa realidade, questões jurídicas e procedimentais surgem, especialmente no que diz respeito aos direitos civis, como o direito ao casamento.
Recentemente, instituições brasileiras, como a Comissão de Relações Internacionais da OAB-PA, o Cartório Guedes, a Defensoria Pública Estadual, a FUNPAPA e o NPJ da Faculdade Cosmopolita, uniram esforços para facilitar o processo de habilitação de casamento para refugiados indígenas Waraos. Em uma
iniciativa conjunta, essas entidades promoveram uma etapa crucial nesse processo, fornecendo orientação sobre o preenchimento de formulários e explicando os procedimentos envolvidos no casamento no Brasil.
O ponto central dessa colaboração é a aplicação do novo Provimento do TJPA, que estabeleceu procedimentos específicos para migrantes com residência humanitária, refugiados, solicitantes de refúgio e apátridas. Essa medida visa garantir que os direitos fundamentais desses grupos sejam protegidos e que obstáculos burocráticos não impeçam o exercício de seus direitos civis, incluindo o direito ao
casamento.
É importante destacar que, além de ser uma questão de justiça social e direitos humanos, a facilitação do registro para refugiados indígenas Waraos no Brasil também tem implicações no âmbito do direito internacional. Conforme estabelecido em diversos tratados e convenções internacionais, tal como a convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969, que determina em seu art 17 que os Estados têm o
dever de proteger e promover os direitos da família, além das minorias étnicas e dos refugiados, garantindo-lhes igualdade perante a lei e acesso aos serviços básicos, como o casamento.
Nesse sentido, a iniciativa liderada por instituições brasileiras representa um passo significativo na direção da garantia dos direitos civis e humanos dos refugiados indígenas Waraos. Além da práxis registral, que facilita o acesso dessa população aos registros de forma administrativa, caso haja a algum empecilho há o auxílio da Defensoria Pública da União (DPU) e da FUNAI. Dessa forma, o Brasil não apenas cumpre com suas obrigações no âmbito do direito internacional, mas também reafirma seu compromisso com os princípios de justiça, igualdade e solidariedade que devem guiar as relações entre os povos e as nações.
Em última análise, o casamento de indígenas venezuelanos no Brasil não é apenas uma questão jurídica, mas também um reflexo dos desafios e das oportunidades que surgem no contexto da migração forçada e dos conflitos étnicos. Ao adotar uma abordagem colaborativa e inclusiva, as instituições brasileiras estão não apenas resolvendo questões práticas, mas também promovendo valores fundamentais de
respeito à diversidade cultural, proteção dos direitos humanos e construção de uma sociedade mais justa e solidária.
1 Instituto Nacional de Estadística y Geografía. Censo de Población y Vivienda 2011, Monografía Total Nacional. Venezuela, 2014.
Referências
Rosa, Marlise, et al., Os Warao no Brasil: Contribuições da antropologia para a proteção de indígenas refugiados e migrantes. 2ª ed., Brasília, DF, Agência da ONU para Refugiados – ACNUR, 2024.
Tiago Aquiles S Lima