A importância da nacionalidade
A nacionalidade é um elemento importante para o indivíduo e para o Estado, tendo esta dupla significância, sendo parte tanto do Direito Internacional Privado quanto do Público. É um elemento formador do Estado, pois o povo é um dos elementos formadores do Estado e sem povo não existiriam Estados.
Assim, a partir do vínculo jurídico e político que a pessoa tem com o Estado, ela poderá ser considerada um nacional. Há uma dicotomia, já que por um lado, em relação ao indivíduo, a nacionalidade é importante pois caracteriza direito humano, direito fundamental, e leva ao exercício de diversos outros direitos da pessoa humana, e de outro lado o povo (os nacionais) compõe o elemento subjetivo do Estado, formando-o.
Um dos primeiros Estados a estabelecer a nacionalidade foi a França, em 1791, estabelecendo regras constitucionais sobre o tema, depois diversos outros países também começaram a estabelecer regras sobre a nacionalidade. O Brasil dispõe sobre a nacionalidade em sua Constituição Federal e na Lei de Migração (Lei no 13.445, de 24 de maio de 2017), sendo direito humano e fundamental.
Já no âmbito do Direito Internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, trata do tema da nacionalidade no seu artigo 15, em que dispõe que todos têm direito à uma nacionalidade, e ninguém poderia dispor desta, ou do seu direito de mudar sua nacionalidade. Essa Declaração possui força cogente, obrigatória, não obstante ser tecnicamente uma Declaração.
Na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) em seu artigo 20, temos o direito à nacionalidade, em que há uma preocupação do documento com a conferência de nacionalidade do território que o indivíduo nasceu, se não tiver direito a outra, demonstrando a necessidade de evitar a apatridia. Lembrando que o Pacto é vinculante. Pode-se falar também, no Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, o qual em seu artigo 24, explica que toda criança tem direito a uma nacionalidade, em especial aquela do território onde nasceu, se não possuir direito a outra.
Ainda, existem outros elementos no Direito Internacional que se referem a nacionalidade, como o Parecer Consultivo no 4/1984 sobre o Caso Castillo Petruzzi, em que são trazidos elementos sobre o tema, sendo que será exigido que os Estados não privar ninguém de sua nacionalidade, devendo permitir que o indivíduo renuncie ou mude de nacionalidade, buscando evitar a apatridia.
Dessa forma, o Direito Internacional se interessa pelo tema da nacionalidade como patamar indispensável de proteção aos direitos humanos.
Distinção entre nacionalidade e cidadania
Os dois termos não são sinônimos, a cidadania está relacionada a possibilidade de exercício de direitos políticos, em regra a cidadania pressupõe a nacionalidade. Mas, por exemplo, se por uma questão de idade o indivíduo ainda não alcançou seus direitos políticos (por conta da menoridade), ele deixa de ter nacionalidade? Não. Ou no caso de indivíduo brasileiro ser condenado por algum crime, e perde seus direitos políticos, mesmo assim ele não perde sua nacionalidade. Portanto, percebe-se que os termos não são sinônimos e se distinguem. Sendo a nacionalidade vínculo jurídico e político com o Estado, podendo ser originária ou derivativa.
O pertencimento a uma nação também se diferencia da nacionalidade. O indivíduo pode pertencer a uma nação e não ter uma nacionalidade. Uma nação é um grupo homogêneo de pessoas que possuem características comuns, como a cultura, a história, a geografia. Já a nacionalidade é ligada ao Estado. E a naturalidade é o local onde a pessoa nasceu, que também pode não ser definidora de nacionalidade.
A nacionalidade é regulamentada pelo direito interno brasileiro. Apenas o próprio Estado pode definir a nacionalidade e limitá-la. Conforme a Convenção de Haia de 1930, de forma expressa, cabe a cada Estado a determinação, dentro da sua legislação, sobre quem são seus nacionais, fazendo parte da soberania do Estado.
O direito brasileiro e a nacionalidade
No direito interno brasileiro, temos diretrizes constitucionais e infraconstitucionais (Lei da Migração – Lei no 13.445, de 24 de maio de 2017), que tratam do tema.
Os princípios essenciais que regem as regras de nacionalidade, estão nos princípios do ius solis e do ius sanguinis. O primeiro, rege as normas brasileiras, sendo brasileiro aquele que nasce no território nacional, levando em consideração o local de nascimento do indivíduo, sendo o critério que deu origem ao princípio existente desde o feudalismo, pela necessidade de manter o indivíduo preso a terra onde nasceu. O que é diferente do segundo princípio, originado em um critério ainda mais antigo, desde a época dos Hebreus, em que se adquire a nacionalidade pelos pais, pelo sangue, independentemente de onde o indivíduo nasceu, proveniente da necessidade de emigração de diversos povos, evitando a perda da nacionalidade com as mudanças de territórios.
A aquisição originária da nacionalidade brasileira é pelo princípio do ius solis. Na Constituição Federal, em seu artigo 12, inciso I, sendo brasileiros natos aqueles indivíduos que: 1. nasceram no Brasil, se os pais destes indivíduos não estiverem a serviço do seu país; 2. nasceram no estrangeiro, filhos de pai ou mãe brasileiros que estejam a serviço do país; 3. nasceram no estrangeiro, filhos de pai o mãe brasileiros, que os pais registram na embaixada brasileira, ou quando estes indivíduos, depois da maioridade, optar por residir no Brasil e escolher a nacionalidade brasileira.
Ainda existem as hipóteses de naturalização, de nacionalidade adquirida, nacionalidade derivada. Que é uma nacionalidade a título derivativo, que não é originária, ocorrendo por meio de um ato voluntário posterior ao nascimento.
Na Constituição Federal, artigo 12, inciso II, estão dispostas as possibilidades de naturalização: 1. aqueles estrangeiros que preenchidos os requisitos originários dos países de língua portuguesa, residindo no país por um ano, com idoneidade moral (interpretação de maneira restritiva), com comprovação de residência, podem optar pela nacionalidade brasileira; 2. naturalização extraordinária: aqueles estrangeiros que residem no Brasil por mais de 15 anos ininterruptos, sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira (não existe mais a naturalização tácita ou compulsória).
Na Lei de Migração (Lei no 13.445, de 24 de maio de 2017), também é tema, a naturalização. Em todo o capítulo VI – Da Opção de Nacionalidade e da Naturalização, se fala sobre o tema. O texto inicia dispondo sobre o caso de filhos de brasileiros que nascem no estrangeiro e que os pais não registraram seu nascimento na embaixada/consulado brasileiro, lembrando que este indivíduo, ao completar a maioridade poderá buscar a nacionalidade brasileira, caso queira.
Assim, as normas ainda trazem outras formas de naturalização, sendo quatro principais, para aqueles operadores do direito que trabalham ou buscam trabalhar com a área, sendo elas:
1. Naturalização Ordinária: possibilidade de requerimento por estrangeiros que cumpram os requisitos:
- Capacidade civil segundo a lei brasileira,
- Residência no Brasil de no mínimo 4 anos. Sendo que este requisitopode ser modificado, caso, por exemplo, possua filho brasileiro, ou cônjuge ou companheiro brasileiro, ou tenha prestado serviço relevante ao Brasil, ou seja recomendado pela sua capacidade científica, artística e profissional. Nesses casos só precisará comprovar a residência de um ano.
- Se comunicar em língua portuguesa: migrantes de países de Língua Portuguesa, aprovados no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, certificados de conclusão de ensino superior, dentre outros casos, estão isentos. Aqueles que não estão isentos precisam apresentar Celpe-Bras de domínio da língua, teste realizado pelo INEP.
d. Não pode possuir condenação penal, ou deverá estar reabilitado nos termos da lei.
Os documentos necessários para este requerimento são: formulário
preenchido dirigido à Coordenação de Política Migratória do Departamento de Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, o estrangeiro poderá escolher adaptar seu nome à língua portuguesa, deve apresentar a cópia da Carteira de Registro Nacional Migratório, Cadastro de Pessoas Físicas, Certidão de Antecedentes Criminais, ou se for o caso um Comprovante de Reabilitação, e comprovar a residência no país.
Esta residência precisa ser ininterrupta, deve estar fixada no Brasil de maneira permanente, o comprovante poderá se dar por conta de água, de luz, de telefone, contrato de locação, escritura com a compra de imóvel em seu nome, dos pais, cônjuge ou companheiro, comprovando relação de parentesco, comprovante de vínculo profissional, certificado de conclusão de curso, e outros documentos que comprovam esta residência.
O tempo de tramitação deste pedido pode variar, pode ser de um ano, ou até mais, este requerimento é gratuito.
2. Naturalização Extraordinária: relativa ao que já foi comentado, aqueles estrangeiros que residem no Brasil por mais de 15 anos ininterruptos, sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
3. Naturalização Especial: concedida àquele estrangeiro que faz parte dos casos previstos na Lei de Migração, cônjuge ou companheiro de integrante do serviço exterior brasileiro. Não é o casamento em si que permite a aquisição da nacionalidade brasileira. Mas, no caso da naturalização especial é possível essa atribuição ao cônjuge ou companheiro. Ainda, o estrangeiro que tenha sido empregado em uma repartição consular ou missão diplomática do Brasil, por mais de dez anos ininterruptos, sendo que os requisitos são parecidos com o da naturalização ordinária.
4. Naturalização Provisória: concedida a criança ou adolescente que tenha fixado residência no território brasileiro, antes de completar dez anos. O representante legal deverá requerer essa naturalização provisória, podendo ser convertida em permanente se o naturalizando expressamente requerer, sendo este ato personalíssimo.
Da anulação, perda e renúncia da nacionalidade
É possível perder a nacionalidade. Mas, esta perda não pode ocorrer de forma arbitrária. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, dispõe que ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade, por motivos políticos, religiosos, raciais, etc. O Estado não pode, arbitrariamente, privar o indivíduo de sua nacionalidade por motivos discriminatórios, esta regra é considerada geral. Por exemplo, o artigo 5o da Constituição Federal brasileira diz que o Estado deve receber aqueles que são detentores da sua nacionalidade em seu território, no caso de deportação, expulsão, etc., de território estrageiro.
A anulação da nacionalidade, em especial da naturalização, pode ocorrer. Mas, para esse fim, só cabe ação judicial. O precedente para isso, está em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2013, em que foi decidido que o artigo 112, §2o e §3o, da Lei no 6.815/80, vigente à época, (que falava sobre a possibilidade de autoridade administrativa anular a naturalização fruto de fraude), não era recepcionado pela Constituição Federal.
Os fundamentos foram distintos nesta decisão. Por exemplo, a Ministra Cármen Lúcia explicou em seu voto que não seria o caso de recepção, pois a Constituição Federal prevê uma ação de cancelamento de naturalização para hipótese diferente (caso de atividade nociva), e não para ocorrência de fraude. Sendo que a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Apatridia, já havia revogado esta disposição infraconstitucional, pois trata-se de tratado relacionado aos direitos humanos, com status supralegal.
Dessa forma, a anulação da naturalização, hoje, só poderá ocorrer por via judicial.
Agora, quanto à perda da nacionalidade brasileira, esta possibilidade foi confirmada. Com ênfase no precedente de um julgado do Tribunal Regional Federal da 3a Região, também de 2013, em que uma chinesa que havia sido naturalizada brasileira, perdeu esta nacionalidade, pois ela desempenhava atividade nociva, no caso, crimes de falsificação de documentos públicos e introdução e ocultamento clandestinos de estrangeiros no Brasil, ambos tipificados no Código Penal nacional. No artigo 12, § 4o da Constituição Federal, está disposto que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro, se em condenação judicial tiver cancelada sua naturalização, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.
Outro caso interessante é o do artigo 12, §4o, em seu inciso II, da Constituição Federal, relacionado ao tema da dupla nacionalidade, já que se o brasileiro adquirir outra nacionalidade, perde a nacionalidade brasileira, salvo nos casos de reconhecimento da nacionalidade originária por lei estrangeira, ou de imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro como condição para permanência no território ou para exercício de direitos civis.
Sobre este inciso, temos como exemplo o caso mais famoso e emblemático do Brasil, o caso da Cláudia Hoerig Sobral, que chegou ao STF em 2016. Foi a extradição dessa brasileira do território nacional, ocorrendo também uma afronta à regra de que brasileiros natos não podem ser extraditados. Cláudia perdeu sua nacionalidade originária brasileira, por adquirir nacionalidade por via derivada estadunidense. Mas, não lhe foi imposta esta nova nacionalidade para permanência no território ou para adquirir direitos civis. Assim, quando houve o pedido de extradição dos Estados Unidos, por acusação de ter cometido homicídio contra o seu marido nos Estados Unidos, como ela havia perdido a nacionalidade brasileira, ela foi extraditada. Sendo esta perda da nacionalidade brasileira, realizada de forma legal.
É válido lembrar da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no 16/21, já votada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), sobre o tema deste julgamento, que busca permitir a manutenção da nacionalidade brasileira se for adquirida nova nacionalidade.
Portanto, a perda da nacionalidade pode atingir tanto o brasileiro nato quanto o brasileiro naturalizado. Em face da prova de perda da nacionalidade, o Presidente da República declara essa perda, sendo este ato meramente declaratório e não constitutivo, dando publicidade à situação.
Além disso, ainda existe a possibilidade do direito da renúncia à nacionalidade. Essa possibilidade não está implícita na Constituição Federal, mas decorre de um direito implícito amparado pelo artigo 5o deste mesmo documento. E decorre dos artigos já comentados anteriormente relativos às Declarações e Pactos internacionais.
Para renunciar à nacionalidade brasileira, o interessado precisa propor uma ação declaratória de renúncia da nacionalidade brasileira, para que goze de forma plena dos direitos que decorrem daqueles que possuem apenas outra nacionalidade. Já que a renúncia à nacionalidade brasileira pode ser negada, se o interessado possuir apenas uma nacionalidade, pois essa renúncia pode levar a apatridia. Ao final, aceita a renúncia, esta será declarada por Decreto do Ministro da Justiça.
FONTES:
AULA Aberta #9 Nacionalidade brasileira (parte 1). [ S. l.: s. n.], 19 out. 2021. Aula aberta da Professora Amina Welten Guerra sobre nacionalidade. Disponível em: https://www.youtube.com/. Acesso em: 23 dez. 2021.
AULA Aberta #9 Nacionalidade brasileira (parte 2). [ S. l.: s. n.], 21 out. 2021. Aula aberta da Professora Amina Welten Guerra sobre nacionalidade. Disponível em: https://www.youtube.com/.Acesso em: 23 dez. 2021.
BRASIL. Lei no 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Brasília, DF: Presidência da República, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm. Acesso em: 23 dez. 2021.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 dez. 2021.