Tiago Aquiles S Lima
Em tempos de paz, o Registro Civil, embora essencial para a cidadania, pode parecer burocrático. No entanto, durante períodos de guerra, assume uma dimensão que transcende a mera formalidade, afetando a identidade e os direitos fundamentais dos indivíduos.
Enquanto bombas ecoam e a incerteza paira sobre Gaza, o Registro Civil se torna mais do que uma simples obrigação; ele adquire contornos de urgência humanitária, impactando profundamente a vida daqueles enfrentando deslocamentos forçados, separação familiar e condições de vida extremamente desafiadoras.
Conforme dados do Conselho Norueguês para Refugiados, desde a ocupação dos territórios palestinos em 1967 por Israel, a situação do Registro Civil em Gaza enfrentou significativas modificações. Inicialmente, cartões de identificação foram emitidos para palestinos maiores de 16 anos, e menores de 16 anos foram registrados nos documentos dos pais.
Posteriormente a 1967, o registro dos menores de 16 anos foi permitido, desde que um dos pais fosse residente do Território Palestino Ocupado (TPO). Com o início da primeira intifada em 1987, as normas registrais foram alteradas, limitando o registro ao status materno, independentemente do local de nascimento ou do registro paterno. Isso resultou em muitas crianças vivendo sem registros legais.
Após 1995, com o Acordo Provisório de Oslo, as responsabilidades no registro populacional foram delineadas, mas as discrepâncias práticas persistiram, com Israel mantendo controle significativo sobre o processo. Desde o início da Segunda Intifada em 2000, as mudanças foram congeladas, aumentando as complexidades enfrentadas por crianças não registradas e limitando a emissão de autorizações de visita.
Embora a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1989, exija o registro de nascimento de todas as crianças, obstáculos significativos persistem nos territórios ocupados, resultando na falta de registro legal para muitas delas.
A ausência de registros de nascimento não apenas dificulta a verificação precisa da idade, mas também contribui para o recrutamento infantil, mão-de-obra infantil, tráfico e venda de crianças. A falta de registros também dificulta a identificação de crianças separadas de suas famílias, que fugiram da guerra.
A interseção entre o Registro Civil e os conflitos em Gaza não é apenas uma narrativa de procedimentos legais, mas uma saga que afeta profundamente vidas humanas em um contexto de adversidade extrema. O Registro Civil é um instrumento vital para preservar a dignidade e os direitos das pessoas em meio ao caos da guerra.
Ao reconhecermos o Registro Civil como um elemento crucial para enfrentar a adversidade, convocamos a ação coletiva e a atenção global. Abordar essas questões como imperativos humanitários é fundamental para construir um futuro onde cada criança, independentemente das circunstâncias adversas, seja reconhecida, protegida e capacitada a moldar um destino que transcende as sombras da guerra.
FONTES:
UNICEF. CENTRO DE ESTUDOS INNOCENTI. Registo de nascimento e conflitos armados, 2005. Disponível em: https://www.unicef-irc.org/publications/pdf/insightbr_port.pdff. Acesso em: 22 fev. 2024.
NORWEGIAN REFUGEE COUNCIL. Child Registration in the Occupied Palestinian Territorie, 2016
Disponível em: https://www.nrc.no/resources/legal-opinions/child-registration-in-the-occupied-palestinian-territories/ Acesso em: 22 fev. 2024.